quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

27 Anos de Saudades


Hoje eu não vou escrever sobre nada que me aconteceu. Não vou discutir sobre os assuntos polêmicos que nos cercam dia após dia. Não parei e nem vou parar na Banca de Jornal do meu amigo da esquina para ler as manchetes que se repetem. Não vou criticar o Governo. Não vou falar da pobreza, da fome, nem mesmo discutir se a NASA vai encontrar vida em Marte. 

Vou falar de Saudade. Amar dói, mas a saudade dói mais. No amor, está meio que implícito que existem dois seres, o que ama e o que é amado. Na saudade, existe uma pessoa apenas, repleta de lembranças e imagens que não se apagaram com o tempo e que deixaram marcas profundas. Está faltando um pedaço de nós e de nossas vidas, pedaço arrancado do todo. Talvez, por essa razão, não exista a palavra saudade na língua inglesa. A forma que encontraram para defini-la é faltando (missing). 

Hoje, ao ouvir o rádio cedinho, escutei Iolanda de Chico Buarque e prestei atenção na letra que este compositor fez para sua mãe. Uma frase dita me tocou muito fundo: Se é para morrer quero morrer contigo... e a outra coisa que completaria essa frase marcante é que a solidão se sente acompanhada. Me peguei com as lágrimas escorrendo livres pelo meu rosto. 

Tudo isso, porque há 27 anos atrás, eu respirava aliviada, vendo meu pai saindo de um hospital e indo para casa. Um coração tão lindo e puro, havia brincado de querer parar. Mas, esse mesmo coração, vendo meu desespero de filha apaixonada, resolveu dar uma trégua e deixou que ele voltasse para o nosso cantinho. Quando ele chegou em casa, lembro-me que, repeti o gesto que sempre fazia deitando a cabeça sobre seu peito para ficar ouvindo as batidas de seu coração. Não sei se para matar a saudade daquele hábito que era só nosso ou se para me certificar de que ele estava, realmente, ali e que tudo não passara de um susto! 

Se eu via meu pai com os olhos de uma filha apaixonada, imaginem depois de um enfarte. Meu ídolo e maior amigo, meu filho, meu rei, meu guerreiro, minha luz. Pensem em qualquer palavra bonita e de força e ele, certamente, era isso para mim. Éramos uma dupla perfeita, a corda e a caçamba. Quando eu ia ele já voltava. Nós conseguimos transformar a nossa relação de pai e filha em uma relação de amizade, lealdade, sabedoria e cumplicidade. 

Dois dias depois, numa quinta-feira antes do carnaval, saindo de casa para trabalhar, dei-lhe um beijo e ele me disse, "- Fica comigo"! Eu brinquei que alguém precisava pagar as contas. Monitorava meu pai, pelo telefone, constatando que seu coração estava ativo. Meio-dia, falo com ele que me pede para comprar uma máscara de carnaval para sair no bloco dos enfartadinhos. Uma hora depois, sou avisada de que seu coração havia parado e de vez. 

Não sei como sobrevivi ao choque. Pensei em minha mãe, que estava com ele e seu desespero. Acho que isso foi o diferencial entre surtar e ter a calma que tive para voltar pro nosso cantinho e encontrá-lo lá, sem aquele sorriso nos lábios, esperando para me receber e me acarinhar. Ajoelhei-me ao seu lado e perguntei "- Por que!" Onde foi que errara, o que eu deixara de fazer! Por que não pude, pelo menos, dizer adeus ou até qualquer hora! Era toda a minha referência de vida que estava ali, sem vida, me deixando e sem me pedir licença, sem ter volta. Juro que olhei pro armário onde ele guardava um Taurus de calibre 38 e quase fiz uma besteira. Se era para morrer, eu queria morrer com ele. Mas, parece que ele me dizia que eu tinha que ser o homem da casa, cuidar de minha mãe que só me olhava desolada, tentando ser a fortaleza que sempre foi. Um, realmente, completava o outro. E eu, a partir daquele dia, teria que ser parte de uma dupla desfeita. 

Hoje, meu coração está apertado. Eu vivi a esperança de que iria dar certo quando o vi entrar em casa, andando. Por mais que passem os anos, a saudade, essa coisa doída demais, sempre me maltrata nessa época do ano. Descobri que a frase da música Iolanda que me tocou, ao falar que se é para morrer, quero morrer contigo, não precisa, necessariamente, ser a morte física. Uma parte de mim, se foi em fevereiro de 1991. Sou o que restou. 

Oh pedaço de mim, 
Oh metade arrancada de mim, 
Leva o vulto teu 
A saudade é o pior veneno 
É pior do que o esquecimento 
É pior do que se entregar

E eu não me entreguei, quase aconteceu, mas eu resisto dia a dia, só eu sei como é penoso conviver com uma ausência tão presente. 

Pai, 
Vem brincar de vovô com meu filho 
No tapete da sala de estar

E eu nunca verei esta cena...  


Um comentário:

Jô Turquezza disse...

Oi querida Andrea, me comovi com seu relato, olhos cheios de lágrimas ...
Meu pai amado, também se foi, quando eu tinha 14 anos.
Sofro até hoje. Mas não tem volta, papai do céu quem decide.
blogjoturquezzamundial
blogaustraliacomcappuccino
Beijos.