Hoje eu não vou escrever sobre nada que me aconteceu.
Não vou discutir sobre os assuntos polêmicos que nos cercam dia após dia. Não
parei e nem vou parar na Banca de Jornal do meu amigo da esquina para ler as
manchetes que se repetem. Não vou criticar o Governo. Não vou falar da pobreza,
da fome, nem mesmo discutir se a NASA vai encontrar vida em Marte.
Vou falar de Saudade. Amar dói, mas a saudade dói mais. No amor, está
meio que implícito que existem dois seres, o que ama e o que é amado. Na
saudade, existe uma pessoa apenas, repleta de lembranças e imagens que não se
apagaram com o tempo e que deixaram marcas profundas. Está faltando um pedaço
de nós e de nossas vidas, pedaço arrancado do todo. Talvez, por essa razão, não
exista a palavra saudade na língua inglesa. A forma que encontraram para
defini-la é faltando (missing).
Hoje, ao ouvir o rádio cedinho, escutei Iolanda de Chico Buarque e prestei
atenção na letra que este compositor fez para sua mãe. Uma frase dita me tocou
muito fundo: Se é para morrer quero morrer contigo... e a outra coisa
que completaria essa frase marcante é que a solidão se sente acompanhada.
Me peguei com as lágrimas escorrendo livres pelo meu rosto.
Tudo isso, porque há 27 anos atrás, eu respirava aliviada, vendo meu pai saindo
de um hospital e indo para casa. Um coração tão lindo e puro, havia brincado de
querer parar. Mas, esse mesmo coração, vendo meu desespero de filha apaixonada,
resolveu dar uma trégua e deixou que ele voltasse para o nosso cantinho. Quando
ele chegou em casa, lembro-me que, repeti o gesto que sempre fazia deitando a
cabeça sobre seu peito para ficar ouvindo as batidas de seu coração. Não sei se
para matar a saudade daquele hábito que era só nosso ou se para me certificar
de que ele estava, realmente, ali e que tudo não passara de um susto!
Se eu via meu pai com os olhos de uma filha apaixonada, imaginem depois de um enfarte.
Meu ídolo e maior amigo, meu filho, meu rei, meu guerreiro, minha luz. Pensem
em qualquer palavra bonita e de força e ele, certamente, era isso para mim.
Éramos uma dupla perfeita, a corda e a caçamba. Quando eu ia ele já voltava.
Nós conseguimos transformar a nossa relação de pai e filha em uma relação de
amizade, lealdade, sabedoria e cumplicidade.
Dois dias depois, numa quinta-feira antes do carnaval, saindo de casa para
trabalhar, dei-lhe um beijo e ele me disse, "- Fica comigo"!
Eu brinquei que alguém precisava pagar as contas. Monitorava meu pai, pelo
telefone, constatando que seu coração estava ativo. Meio-dia, falo com ele que
me pede para comprar uma máscara de carnaval para sair no bloco dos enfartadinhos. Uma hora depois, sou
avisada de que seu coração havia parado e de vez.
Não sei como sobrevivi ao choque. Pensei em minha mãe, que estava com ele e seu
desespero. Acho que isso foi o diferencial entre surtar e ter a calma que tive
para voltar pro nosso cantinho e encontrá-lo lá, sem aquele sorriso nos lábios,
esperando para me receber e me acarinhar. Ajoelhei-me ao seu lado e perguntei "-
Por que!" Onde foi que errara, o que eu deixara de fazer! Por que não
pude, pelo menos, dizer adeus ou até qualquer hora! Era toda a minha referência
de vida que estava ali, sem vida, me deixando e sem me pedir licença, sem ter
volta. Juro que olhei pro armário onde ele guardava um Taurus de calibre 38 e
quase fiz uma besteira. Se era para morrer, eu queria morrer com ele.
Mas, parece que ele me dizia que eu tinha que ser o homem da casa, cuidar de
minha mãe que só me olhava desolada, tentando ser a fortaleza que sempre foi.
Um, realmente, completava o outro. E eu, a partir daquele dia, teria que ser
parte de uma dupla desfeita.
Hoje, meu coração está apertado. Eu vivi a esperança de que iria dar certo
quando o vi entrar em casa, andando. Por mais que passem os anos, a saudade,
essa coisa doída demais, sempre me maltrata nessa época do ano. Descobri que a
frase da música Iolanda que me tocou, ao falar que se é para morrer, quero
morrer contigo, não precisa, necessariamente, ser a morte física. Uma parte de
mim, se foi em fevereiro de 1991. Sou o que restou.
Oh pedaço de mim,
Oh metade arrancada de mim,
Leva o vulto teu
A saudade é o pior veneno
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entregar
E eu não me entreguei, quase aconteceu, mas eu resisto dia a dia, só eu sei
como é penoso conviver com uma ausência tão presente.
Pai,
Vem brincar de vovô com meu filho
No tapete da sala de estar
E eu nunca verei esta cena...
Um comentário:
Oi querida Andrea, me comovi com seu relato, olhos cheios de lágrimas ...
Meu pai amado, também se foi, quando eu tinha 14 anos.
Sofro até hoje. Mas não tem volta, papai do céu quem decide.
blogjoturquezzamundial
blogaustraliacomcappuccino
Beijos.
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