sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Cotidiano da maturidade


Um dia, ela se olhou no espelho e viu que os anos haviam passado. Sua pele não tinha mais o viço da juventude. Ao contrário, trazia as marcas de tantas coisas vividas, algumas delas que ela gostaria de poder apagar da memória. Mas, mesmo que conseguisse um fio de cabelo branco ou uma ruga a remeteriam para o período a ser esquecido. Então, o jeito era se conformar com as coisas que havia experimentado em forma de lembranças, as que não vivera em forma de sonhos e construir sua vida em forma de castelos, tendo como base, a fantasia.


Sua vida era a mesma rotina. Levantava-se primeiro que todos e dormia depois que todos haviam dormido. A sensação que tinha é que ela uma espécie de anjo, tendo como obrigação, velar pelo sono dos seus entes queridos. Até que um dia, ela se perguntou, solitária, quando encostava sua cabeça no travesseiro, no escuro de seu quarto, E quem vela por mim? Esperou um pouco por uma resposta, que não veio nem de si mesma. Cansada, adormeceu.


Ao acordar, percebeu que ali não era sua casa. Ali não era seu tempo. Algo muito errado havia acontecido. Onde estão todos? Onde estão sua casa, afazeres cotidianos, onde estava sua vidinha? Ao invés de chão frio, seus pés tocaram em um tapete macio e quente. Ao olhar para baixo, viu que sua surrada camisola não mais a vestia, ao contrário, uma camisa de pijama masculino lhe tapava o corpo. Quando teve coragem para tocar o tecido que parecia seda, e era, percebeu que seu corpo não era mais o que adormecera. Era o corpo de quando jovem, moça, quando suas formas deixavam suspiros de desejo por onde passava.

Correu para um espelho e soltou um grito, pasmo e ao mesmo tempo rouco, quase inaudível, quando se viu com 20 anos menos! Cabelos longos, castanhos, de um brilho sedoso. Sua pele sem uma ruga, exceto a de surpresa que estava em sua expressão assustada. Seus olhos, de um brilho intenso, pareciam querer dizer que ela estava acordada para a vida e que o tempo estava lhe dando, novamente, a oportunidade de tentar.


Ao voltar para o quarto, viu um homem na cama. Ela se levantara e, sequer, notara aquela presença. Andando, na ponta dos pés, como querendo evitar que este acordasse, ela se aproximou e o olhou atentamente. Era um jovem de mais ou menos 30 anos, cabelos escuros, curtos, sedosos, daqueles que se tem vontade de passar a mão para sentir o prazer do toque. Ele dormia tranqüilo, com uma expressão de felicidade no rosto bonito, de feições finas. Sem camisa, ela pode ver a pele clara. Ela foi chegando perto, perto, e sentiu seu perfume. Um misto de cheiro de homem e cheiro de amor.


Ela se abaixou, lentamente, até poder olhar para ele de perto. Ele abriu os olhos, sonolentos, mas que, junto com seus lábios, sorriam o sorriso mais bonito que ela se lembrara ter visto. Ele estendeu o braço e disse: "- Bom dia, amor!" Ela, meio que instintivamente, estendeu a mão até que tocasse a dele. Era quente, macia e suave... Ele tornou a sorrir e disse: "- Foi uma noite maravilhosa! Não vou esquecer nunca mais!" Ela sorriu tímida, mas com medo de perguntar qualquer coisa para não quebrar a magia daquele momento. Quem era aquele homem? Como teria sido a noite maravilhosa?


Ele se levantou e ela, num pulo, saltou como se tivesse assustada. Ele riu e disse: "- Calma, eu preciso ir. Mas, prometo, à noite é uma criança e eu vou querer mais. Em dose dupla." E saiu despido, naturalmente, para o chuveiro. Ela sentou-se na cama, pegou o travesseiro onde ele dormia, sentiu o perfume gostoso daquele cabelo negro. Ele saiu do banho e, ainda molhado, lhe deu um beijo e disse que se vestiria na sala, onde deixaram as roupas e de lá, sairia. Mas, que ela esperasse por ele, pois ele voltaria para aquela cama onde ele havia passado momentos deliciosos de prazer. Uma gota caiu de seu cabelo em sua boca.


De repente, o despertador toca, ela acorda na sua cama, com sua camisola desbotada. Entretanto, a gota estava em sua boca. Só que tinha gosto de lágrima daquilo que, mais uma vez, não viveu!

5 comentários:

neuza caribé disse...

Que lindo conto, Dedéia!
É uma loucura se arrepender daquilo que não se fez, né?
Parabéns!
beijos

EM BUSCA DA VERADE, disse...

Existe um desejo aculto neste conto, a sensação da fantasia colocada para fora, mas em nossos pensamentos o tempo e o espaço não tem limites, nos é que nos limitamos a felicidades.
Que os sonhos se realizem, pra todos, beijos.....

Jaime disse...

Não perdeu a classe e a sensibilidade, Andréa...belíssimo texto!

Bj

Pri disse...

Lindo texto mamis. Quando deixamos de viver algo sempre fca o gosto de como teria sido e mais um monte de pergunta.
Em contra partida temos na lembrança akilo que nos permitimos viver!
Adoro vc.

Sil disse...

Como expressar com tamanha verdade o q certamente ocorre na vida de todos,..ou, quase todos.
Parabéns Andréa, incrível como me identifiquei com o conto.
Bjosss mil!